
Descontraidamente sentado num dos sofás do seu escritório, em Miragaia, é com simplicidade e pragmatismo que Mário Ferreira, CEO da Douro Azul, revela aquele que tem sido, até agora, o principal ingrediente para o sucesso do seu negócio. “Em poucas palavras, sou um homem de trabalho. Sem ele, ninguém vai a lado nenhum”, assegurou, com a experiência de quem já teve de arriscar muito ao longo da vida profissional. Ultrapassadas as dúvidas naturais de um miúdo de 16 anos que decide ir trabalhar para o estrangeiro, o conhecido empresário, natural de Matosinhos, aprendeu a não estabelecer limites e a acreditar que, com “ambição, visão e bons princípios” é possível chegar longe. Tão longe como ao espaço, para onde já tem viagem marcada a bordo da Spaceship da Virgin Galactic.
A “ver navios”
A forte ligação ao mar e ao Porto de Leixões começou a ser sentida ainda em criança, quase que a denunciar a estreita relação que viria a ser desenvolvida anos mais tarde. “Desde pequeno que gostava de ouvir as entradas e as saídas dos navios. Havia a tradição dos apitos de despedida de um porto e achava isso interessante”, afirmou, confessando encarar estas recordações com alguma nostalgia.
Aos 16 anos, Mário Ferreira começou a escrever as páginas daquele que viria a ser um dos seus maiores desafios – sair de Portugal “sozinho, com 50 libras no bolso”, para ir trabalhar em barcos de cruzeiro. “Sentia uma enorme pressão. A aventura tinha de correr bem porque o meu pai me disse que, depois de sair, já não me deixava voltar”, contou, revelando ter assumido as consequências da sua decisão. Depois de quatro anos do português teve a oportunidade de dar a primeira volta ao mundo. De acordo com o empresário, as aventuras vividas ao longo destes primeiros anos foram fundamentais, concedendo-lhe “experiência e bagagem” para o desenvolvimento, já em solo nacional, dos atuais negócios, associados às áreas do turismo, imobiliário e transportes.
O início de um projeto inovador
Aos 26 anos, Mário Ferreira bateu o pé às dificuldades e comprou o seu primeiro barco. “Foi um investimento difícil, como todos, em Portugal, para pessoas jovens e desconhecidas. Os bancos não acreditavam”, referiu, realçando que os obstáculos permaneceram na altura da aquisição do segundo e terceiro barcos. “Só a partir do quarto navio é que comecei a ter a confiança da banca nacional, no sentido de acreditarem que o Douro poderia, efetivamente, ser um destino de sucesso”, notou, sublinhando que só 20 anos depois é que conseguiu prová-lo aos bancos internacionais. Ainda assim, após décadas de trabalho, acrescentou, a Douro Azul conseguiu conquistar a confiança da banca estrangeira, aspeto que lhe permite “usufruir de condições que poucas empresas terão em Portugal”.
O crescimento da empresa surge, aliás, refletido nos seus próprios números. Em 2012, transportou cerca de 14 mil passageiros de 39 nacionalidades, correspondendo a 100 mil dormidas na região do Douro. A partir do próximo ano, passará a contar com 12 navios-hotel (neste momento tem 10), garantindo 1200 camas. Até 2020, a Douro Azul já tem 160 milhões de euros pré-vendidos a operadores internacionais. Além disso, pretende ainda reforçar a frota com um novo helicóptero, “que está a chegar”.
Modelo de negócio baseado na criação de procura
Contrariamente ao que se verifica, por exemplo, nas áreas da restauração e dos hotéis, que oferecem serviços aos turistas que visitam o nosso país, a estratégia de negócio da Douro Azul é diferente, passando, em primeiro lugar, pela criação de procura no exterior. “O nosso negócio tem potenciado o crescimento turístico do Porto, já que vamos buscar os clientes ao estrangeiro, trazendo-os para cá”, explicou Mário Ferreira. “Importamos os clientes e exportamos os serviços”, acrescentou, assegurando que a empresa funciona também, neste momento, como uma fonte de atracão turística para a cidade. “Os restantes negócios, como os hotéis e os restaurantes vivem das pessoas que cá vêm. Nós criamos a procura e depois oferecemos. Estimulamos, incentivamos e quando as pessoas querem vir ao nosso país, construímos os barcos”, esclareceu.
De resto, para o empresário, a beleza da cidade Invicta não carece de grandes explicações. “O Porto é, e sempre foi, bonito”, afirmou, sustentando que os grandes avanços no setor turístico só foram possíveis graças a estruturas como o aeroporto e o novo cais turístico de navios, em Leixões. “São infraestruturas que permitem trazer os turistas à cidade, que está preparada para os receber”, notou. Para o CEO da Douro Azul, a privatização da ANA - Aeroportos de Portugal não vai ameaçar o turismo nacional. “Já estão salvaguardadas as situações necessárias para que, a curto prazo, tudo se mantenha e, a longo prazo, qualquer empresa quer é a rentabilidade do seu investimento”, defendeu, certo de que “ninguém vai investir para perder dinheiro”. O responsável está, portanto, confiante de que os aeroportos não vão perder movimento, uma vez que todas as partes apresentam “os mesmos interesses”. Ainda a propósito do desenvolvimento do turismo na região Norte, o precursor dos cruzeiros no Douro defendeu que o Porto tem de “continuar a ser dinâmico e a criar situações” que o levem a ser falado além-fronteiras. “A cidade está a ser cada vez mais reconhecida, nomeadamente pela ‘National Geographic’ e agora pelo ‘New York Times’ que, entre as 40 cidades a visitar este ano, recomendou o Porto. Todos os anos tem de acontecer alguma coisa”, sublinhou o empresário, destacando a importância da promoção para que a cidade “não adormeça”. “Não tem de ser necessariamente uma promoção publicitária como se fazia antigamente, em que se colocava uma chapa no jornal. Hoje, a promoção das cidades está como a publicidade nos filmes. Tem de ser em estilo ‘soft sponsoring’, feita de forma silenciosa”, realçou. As transformações geradas pela introdução do metro na cidade foram, para o empresário, muito positivas. “O serviço acabou com muito do trânsito caótico que vinha para a baixa”, reconheceu, sustentando que o aparecimento de infraestruturas como a Casa da Música e as obras feitas no âmbito da Capital da Cultura, ainda que atrasadas, também contribuíram para a agitação cultural e social do Porto. E de facto, a procura do Douro tem sido de tal forma reforçada que a Douro Azul se viu obrigada a adiar um pouco o processo de internacionalização, previsto, por exemplo, para o Brasil. “A procura é tanta que nos obriga a ter de dar resposta o que, por sua vez, nos leva a construir mais barcos, a fazer mais investimentos e a contratar mais pessoas: estamos a recrutar 222 colaboradores para virem trabalhar para a empresa”, recordou Mário Ferreira, garantindo que não há necessidade de partir para o estrangeiro se ainda há tanto a fazer em território nacional.